Calou-se
o comandante
Das ruínas do socialismo sobrou o sorriso do mais carismático de seus líderes e, sem dúvidas, uma das personalidades mais amadas e odiadas da segunda metade do século XX. Fidel Alejandro Castro Ruz morreu na madrugada deste sábado, aos 90 anos, sem sua Cuba.
A geração que
começou a tentar entender alguma coisa no final dos anos 70 e início
dos 80, foi apresentada ao “comandante” pelo jornalista e
escritor Fernando Moraes, com o seu livro “A Ilha”. Apesar de
apontar avanços e problemas na pequena ilha do Caribe, que àquela
época contava com menos de três décadas de governo
revolucionário, aquele quadro de analfabetismo zero e acesso de
todos à saúde, encantou os jovens que ainda sonhavam transformar o
mundo numa sociedade só de iguais.
Mais que isso, a
mim particularmente encantava como uma pequena ilha distante 165 km
de (Key West,em Miami, Flórida), enfrentava — com êxito — a
maior potência militar do Planeta. A proximidade é tanta, que os
cubanos dizem, talvez com uma dose de exagero, que do Malecon (dique
que protege o centro da capital da Baía dos Porcos), é possível
avistar as luzes de Miami em noites de lua nova.
Exagero ou não,
Cuba esteve na mira e nos calcanhares dos norte-americanos desde que
Fidel e seus companheiros desceram a Sierra Maestra para derrubar o
ditador Fulgencio Batista; depois de virem do México a bordo do
legendário “Il Granma”, pequeno barco que virou monumento
público numa praça de Havana. Inúmeras foram as tentativas
eliminar Fidel, ou tomar mesmo o país, como tentou o não menos
legendário (talvez injustificadamente) Kennedy, com a frustrada
tentativa de invasão da Baía dos Porcos, em torno da qual se situa
Havana.
Meses depois, Cuba
foi o centro do mundo e o estopim de uma quase-guerra total, quando o
líder soviético Nikita Kruschev mandou instalar mísseis no
interior da ilha e apontados diretamente para os EUA. A crise ficou
conhecida como “os treze dias que abalaram o mundo” e contornada
pela diplomacia K&K (Kennedy-Kruschev).
Na verdade, no
ápice da Guerra Fria, Cuba era a ponta de lança dos soviéticos,
que trocavam petróleo pelo açúcar e mantinha uma economia
artificial financiando um meio-socialismo que alguns críticos
apontam como marketing de um sistema que já se mostrava impossível.
Em 1991 estive em
Cuba em visita oficial acompanhando o então prefeito Anthony
Garotinho, de quem era secretário de Comunicação. Cheguei ao
aeroporto José Marti (um pouco maior que o nosso Bartholomeu
Lysandro) com sonhos e ilusões numa pequena mala.De fato, durante
uma semana, vi boas escolas e avanços na área de saúde preventiva
e pesquisas científicas, mas também algumas decepções: vigilância
exacerbada, mendicância no coração da Havana Velha, serviços
públicos (todos os serviços na época eram públicos) muito
deficientes e o pior: o comandante estava inacessível em uma de suas
muitas casas onde se escondia quando estava sujeito a atentados reais
ou fictícios. Naquela semana de 1991, quatro opositores do regime
tinham sido fuzilados no paredão.
Sim, Cuba, a
romântica ilha que ainda guarda no Restaurante Floridita a mesa onde
Ernest Hemingway tomava seus daiquiris, a Cuba livre de nossos sonhos
e da ternura que não se perderia jamais, era sim, uma ditadura com
seus esqueletos, como qualquer outra.
Ausente do poder
há quase uma década por causa de doença e com o poder repassado ao
irmão Raul, Fidel já tinha virado lenda em vida e caberá a
história julgar seu legado.