Entra
governo, sai governo e o Brasil parece que continua com uma vocação,
inexplicável para os recursos de que dispõe, principalmente naturais, de
fomentar situações extremas, seja no campo político, seja no âmbito
administrativo, seja na esfera econômica. A população convive, aliás, com
crises constantes, e parece já ter até se acostumado a isso, o que só contribui
para a sensação de incerteza relacionada a tudo que acontece à sua volta.
Quando se resolve um problema, surgem outros tantos que fomentam manchetes de
jornais, alimentam os noticiários diariamente, como se fossem um poço sem
fundo, sem que haja uma luz no fim do túnel. No entanto, algumas situações
podem ser, se não esmiuçadas, pelo menos explicadas à luz do entendimento de
que, fomentando problemas se consegue manter o círculo vicioso do quanto pior
melhor. Porque, nesse contexto, e isso é histórico no Brasil, é a camada mais
abastada da sociedade que consegue sempre se manter em evidência. Fruto,
também, da ainda fajuta distribuição de renda e o descaso com a educação,
promovidos pelos governos, em todas as esferas, embora se tenha que reconhecer
que pelo menos nos últimos anos, houve um pequeno avanço nesse sentido. Bom que
se diga, mais devido a políticas sociais assistencialistas do que de programas
que permitam, à maioria dos brasileiros, se manterem com dignidade,
Crises
são boas para os governos. Qualquer governo, de qualquer partido, de qualquer
“ideologia”. Com crises, se pode “justificar” aumentos de impostos, reajustes
intermináveis de preços, redução de direitos trabalhistas, cortes de gastos em
programas sociais... As crises “justificam” apertos de gastos destinados a
serviços públicos, em especial as áreas de saúde e educação, como acontece há
décadas em todas as esferas da administração pública. Com crises é possível
manipular informações oficiais e direcionar recursos para “resolver” problemas
que se apresentam como se fossem ervas daninhas. Com crises, se pode, por
exemplo, abrir mão de licitações de obras públicas, fazendo a farra de
empreiteiras. Com crises, é possível promover demissões em massa e mais uma
infinidade de situações que se tornaram corriqueiras na realidade da população
brasileira.
Não
se pode ter a ilusão de que, se existem situações que nunca se resolvem, mesmo
quando há ferramentas para sanar determinados problemas, é porque também existe
a intenção, na grande totalidade, de forma implícita, de que eles não devem ser
mesmo solucionados, para que os governos possam continuar a tocar a moenda de
forma que ela sugue tudo que for possível.
Quem
acompanha e tem um mínimo de entendimento do quadro político no Brasil,
sobretudo pós-1964, consegue perceber que, desde então, o país se avoluma em
problemas, em tese, sem solução.
E,
de clichê, a pergunta que não quer calar: a quem interessa crises?
*
Artigo publicado em julho deste ano no blog Em Tempo, até então hospedado na
Folha Online e também na edição impressa do jornal, mas, se tivesse sido escrito
há um, dois, cinco anos ou mais, retrataria a realidade das crises no cenário
brasileiro.
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