sexta-feira, 4 de setembro de 2015

A quem interessa crises?

Entra governo, sai governo e o Brasil parece que continua com uma vocação, inexplicável para os recursos de que dispõe, principalmente naturais, de fomentar situações extremas, seja no campo político, seja no âmbito administrativo, seja na esfera econômica. A população convive, aliás, com crises constantes, e parece já ter até se acostumado a isso, o que só contribui para a sensação de incerteza relacionada a tudo que acontece à sua volta. Quando se resolve um problema, surgem outros tantos que fomentam manchetes de jornais, alimentam os noticiários diariamente, como se fossem um poço sem fundo, sem que haja uma luz no fim do túnel. No entanto, algumas situações podem ser, se não esmiuçadas, pelo menos explicadas à luz do entendimento de que, fomentando problemas se consegue manter o círculo vicioso do quanto pior melhor. Porque, nesse contexto, e isso é histórico no Brasil, é a camada mais abastada da sociedade que consegue sempre se manter em evidência. Fruto, também, da ainda fajuta distribuição de renda e o descaso com a educação, promovidos pelos governos, em todas as esferas, embora se tenha que reconhecer que pelo menos nos últimos anos, houve um pequeno avanço nesse sentido. Bom que se diga, mais devido a políticas sociais assistencialistas do que de programas que permitam, à maioria dos brasileiros, se manterem com dignidade,
Crises são boas para os governos. Qualquer governo, de qualquer partido, de qualquer “ideologia”. Com crises, se pode “justificar” aumentos de impostos, reajustes intermináveis de preços, redução de direitos trabalhistas, cortes de gastos em programas sociais... As crises “justificam” apertos de gastos destinados a serviços públicos, em especial as áreas de saúde e educação, como acontece há décadas em todas as esferas da administração pública. Com crises é possível manipular informações oficiais e direcionar recursos para “resolver” problemas que se apresentam como se fossem ervas daninhas. Com crises, se pode, por exemplo, abrir mão de licitações de obras públicas, fazendo a farra de empreiteiras. Com crises, é possível promover demissões em massa e mais uma infinidade de situações que se tornaram corriqueiras na realidade da população brasileira.
Não se pode ter a ilusão de que, se existem situações que nunca se resolvem, mesmo quando há ferramentas para sanar determinados problemas, é porque também existe a intenção, na grande totalidade, de forma implícita, de que eles não devem ser mesmo solucionados, para que os governos possam continuar a tocar a moenda de forma que ela sugue tudo que for possível.
Quem acompanha e tem um mínimo de entendimento do quadro político no Brasil, sobretudo pós-1964, consegue perceber que, desde então, o país se avoluma em problemas, em tese, sem solução.
E, de clichê, a pergunta que não quer calar: a quem interessa crises?


* Artigo publicado em julho deste ano no blog Em Tempo, até então hospedado na Folha Online e também na edição impressa do jornal, mas, se tivesse sido escrito há um, dois, cinco anos ou mais, retrataria a realidade das crises no cenário brasileiro.

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